A Polícia Federal acusa o
governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), de ter transferido o
comando da Segurança Pública ao bicheiro Carlinhos Cachoeira, e de
ter sido peça fundamental para o bom êxito das atividades
criminosas do mafioso no Estado
Operação Monte Carlo
O
governador Marconi Perillo (PSDB) colocou a estrutura administrativa
de Goiás – principalmente a do setor de Segurança Pública –
aos pés do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos
Cachoeira. A denúncia é da Polícia Federal e do Ministério
Público federal, que acusam o tucano de ter transformado o Estado em
território livre para o mafioso agir na exploração ilegal dos caça
níquéis e do jogo do bicho.
Depois
de afundar politicamente o ex-senador Demóstenes Torres, a
cachoeira de corrupção atinge em cheio o Governador, seus
principais secretários e aliados políticos. Segundo o relatório da
PF,
o esquema criminoso recebia proteção de Marconi, com direito até a
assessores de alto escalão antecipando as operações policiais para
o bicheiro.
No governo de Marconi, Carlinhos
Cachoeira dava as cartas não só na Segurança Pública – área
onde mandava nomear e exonerar delegados a seu bel prazer – como
também tinha grande influência na Secretaria de Indústria e
Comércio. Ele transformou a Pasta em cabide de emprego e colocou
seis parentes trabalhando lá.
O ex-vereador e ex-presidente da
Câmara Municipal, Wladmir Garcês, preso junto com Cachoeira, também
tinha parentes mamando nas tetas da Secretaria de Indústria e
Comércio. Garcês é amicíssimo de Marconi e era quem intermediava
as negociações entre o governador e o bicheiro, através de
torpedos trocados pelo celular.
Carlinhos
Cachoeira foi preso no dia 29 de fevereiro passado, morando na mansão
que até 2010 pertencia ao governador Marconi, situada no Alphaville
Ipês, em Goiânia. O bicheiro e mais de 30 cúmplices foram pegos
pela Operação Monte Carlo deflagrada
pela Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público Federal
e o Escritório de Inteligência da Receita Federal.
A deflagração da Operação Monte Carlo e a prisão do bicheiro
resultou no sepultamento político de Demóstenes Torres, pressionado a se expulsar do DEM, ficou sem
partido e teve o mandato assado. Marconi
está na berlinda e a exemplo do que aconteceu com Torres, a cada
explicação que divulga, ele se complica mais.
Bicheiro teria bancado campanha
de Perillo
Corre
a boca miúda nos bastidores políticos de Goiás e de Brasília que
o bicheiro teria jogado muito dinheiro na campanha eleitoral de
Marconi em 2010. Fato é que um dos envolvidos
com Cachoeira é Jayme
Rincón. Presidente da Agetop - Agência Goiana de Transportes e
Obras, Rincón foi
um dos principais arrecadadores de dinheiro para a campanha do
tucano. Ele pediu demissão do cargo.
A
notícia que Marconi recebeu dinheiro do bicheiro na eleição para
governador fica mais consistente quando a Polícia Federal aponta
Wladimir
Garcez também como arrecadador de grana para a campanha de Perillo.
O ex-vereador era um dos braços direito de Carlinhos Cachoeira e foi
preso com ele.
Curiosamente, depois de eleito
Marconi jamais importunou o mafioso e cabia a Garcês – o amigo de
Marconi e de Cachoeira – repassar informações sigilosas ao
bicheiro sobre as ações do grupo tático (GT3), a unidade de elite
da Polícia Civil.
Além de Wladmir Garcês, outras
pessoas ligadas diretamente ao Governador – a exemplo da sua
ex-chefe de gabinete, Eliane Pinheiro – eram incumbidas de também
informar a Cachoeira qualquer ação policial de repressão a
jogatina ou outra atitude da Polícia que pudesse atrapalhar as
atividades criminosas da quadrilha em Goiás.
Eliane Pinheiro pediu demissão do
cargo de chefe de gabinete e alega ter sido confundida pela Polícia
Federal com outra pessoa de mesmo nome. Balela, a PF tem o nome dela
completo, o seu número de telefone e o número de seu CPF. Tá tudo
divulgado no relatório das investigações.
Ligações Perigosas
Para a Polícia Federal, Cachoeira
pagava regularmente aos integrantes do governo Marconi Perillo para
ter acesso a informações de interesse financeiro ou político da
organização criminosa. Nas transcrições da PF, Eliane Pinheiro,
então chefe de gabinete de Marconi, troca inúmeros telefonemas e
torpedos com Carlinhos Cachoeira.
Numa
das conversas, Eliane informa ao bicheiro quais as prefeituras de
Goiás estavam na mira da Operação Apate, que investigou em 2011
fraudes tributárias nos municípios do Estado. Um dos privilegiados
com as informações sigilosas repassadas por Eliane é o prefeito
Geraldo Messias (PP), de Águas Lindas de Goiás, aliado político de
Marconi.
Por telefone, ela avisou ao
prefeito Geraldo que haveria uma operação de busca na casa dele. A
ex-chefe de gabinete, também “inocente” no esquema Cachoeira,
diz que foi só por “amizade” que repassou a informação
sigilosa ao prefeito Geraldo Messias.
Assim como Demóstenes Torres,
Eliane Pinheiro também usou um rádio Nextel comprado por Cachoeira
nos Estados Unidos e habilitado em Miami. Segundo a Polícia Federal,
apenas as 14 pessoas de extrema confiança do bicheiro usavam esse
tipo de telefone.
Ou seja, a chefe de gabinete do
Governador integrava o grupo dos 14 que formavam a cúpula da
organização criminosa chefiada por Carlinhos Cachoeira e Marconi
não sabia de nada? A versão do Governador segue a linha adotada por
Demóstenes Torres, sobre o amigo bicheiro: “Eu pensei que ele
tivesse abandonado o crime” (sic).
O
juiz Paulo
Augusto Moreira Lima, da 11ª Vara Federal de Goiânia, frisa na sua
sentença determinando a prisão do bicheiro, “é assustador o
alcance dos tentáculos da organização criminosa comandada por
Cachoeira e a influência dele na nomeação de dezenas de pessoas
para ocupar funções públicas no Estado de Goiás”. Marconi jura
que não sabia nada disso.
Muita
água suja ainda vai rolar de Cachoeira – ele está preste a
aceitar o acordo de delação premida ofertado pelo MPF –, mas as
transcrições dos diálogos telefônicos feitos pelas PF já
adiantam que o governador Marconi era chamado sempre de “o
maior”
pelos membros da quadrilha criminosa. Já Demóstenes continuou sendo
chamado pela gang de “gordinho”,
mesmo depois de emagrecer a custa de cirurgias.
Venda da casa de Marconi é uma
incógnita
O Governador não consegue
esclarecer sequer como foi a negociação da mansão que vendeu a
Carlinhos Cachoeira – o bicheiro foi preso morando nela. Em
princípio, Marconi alegou que o ex-vereador Wladmir Garcês era quem
teria intermediado a venda para o bicheiro.
Agora, o Governador dá outra
versão. Afirma que vendeu a mansão no ano passado para o dono da
Faculdade Padrão, o empresário Valter Paulo Santiago, mas frisou
que não o conhecia pessoalmente. É estranho, pois Valter Santiago
foi contemplado pelo próprio Marconi com o título de Comendador de
Goiás, em 2006, durante o segundo mandato do tucano.
Mais estranho o caso fica quando
se sabe que a Faculdade Padrão, do novo comprador da casa de
Marconi, recebe verbas do Estado pelo programa Bolsa Universitária.
No site da instituição, é o próprio Valter Santiago quem
incentiva os alunos a aderirem ao benefício concedido pelo
Governador. O valor do imóvel também está sob suspeita.
Marconi vendeu
a mansão por R$ 1,4 milhão, mas na sua declaração de bens ele
declara que ela valia R$ 417 mil. Ou Marconi prestou declaração
falsa a Receita Federal – o que configuraria crime de sonegação
fiscal –, ou ele majorou o preço da casa em R$ 1 milhão ao
vende-la, para o bicheiro Cachoeira, ou para o dono da Faculdade
Padrão.
Mafioso dava ordens na
Segurança Pública
O poder que o chefe da máfia do
jogo ilegal exercia sobre a Polícia de Goiás no governo de Marconi
Perillo fica evidente nas transcrições dos telefonemas
interceptados pela Polícia Federal. Nesse esquema havia também a
participação direta do ex-vereador Wladmir Garcês.
Numa das conversas Cachoeira manda
Wladmir apurar com o corregedor-geral de Segurança Pública do
Estado, Aredes Correia Pires e com Edmundo, uma possível operação
policial que poderia acontecer contra os caça níquéis. “Vai lá
no Aredes pra ver o que tá acontecendo”, ordena o bicheiro.
Wladmir, que chama o bicheiro de
“chefe”, promete cumprir a ordem imediatamente. “É, tô indo
aqui do Edmundo. Já tô chegando aqui. Vou ligar pro Aredes.” Logo
depois, Wladmir informa Cachoeira sobre uma atuação policial na
região de Valparaíso, no entorno de Goiás. Mas avisa que o assunto
já foi contornado: “Não tem mais nenhuma ação prevista lá”.
O Edmundo citado por Cachoeira na
ligação telefônica é identificado pela Polícia Federal como
sendo o delegado Edemundo Dias Filho. Ele também é o tesoureiro do
PSDB de Goiás. Para a PF, esse detalhe reforça os indícios de que
o bicheiro jogou dinheiro na campanha de Marconi para governo do
Estado.
Empresa
Delta recebe
dinheiro da Segurança
A empreiteira Delta, investigada
pela PF, e onde Cachoeira e Wladmir Garcês mantinham sala e tinham
acesso livre ao caixa da empresa, recebe R$ 3 milhões mensais pelo
aluguel de veículos para a frota das polícias Militar e Civil,
Batalhão Rodoviário do Estado, Corpo de Bombeiros, polícia técnica
científica e Instituto Médico Legal. O contrato foi firmado em 2010
e vence no fim deste ano.
O Governador é citado em várias
conversas telefônicas entre o bicheiro e figuras do comando da
Polícia. Em um telefonema trocado com Cachoeira, Wladmir também
cita o Governador, ao relatar um diálogo que tivera com o corregedor
Aredes Pires sobre um processo de Edemundo.
Ele conta ao bicheiro que
perguntou a Aredes se Edemundo não estaria preocupado com o
processo, e Aredes teria lhe respondido: ‘Não tá nem um pouco
preocupado. O governador disse que ia resolver para ele. Tá
confiando no governador.”
O próprio corregedor Aredes Pires
fala por telefone com Cachoeira e tenta tranquilizar o bicheiro sobre
as possíveis ações policiais contra o jogo ilegal. Aredes, que
também alega não conhecer Cachoeira, fala com ele ao telefone: “Eu
tenho que conversar com o pessoal da inteligência de lá. Lá tem um
grupo grande que tava fazendo o serviço. Mas num tá previsto pra
esse final de semana, não tá”.
O cerco se fecha
Segundo a PF, o deputado federal
Carlos Alberto Leréia, correligionário de Marconi Perillo, e um
dos seus principais aliados políticos, emprestou até um avião
para a quadrilha de Cachoeira fazer reunião em Brasília. Ele teve
70 conversas com o bicheiro interceptadas pela Polícia Federal e
também é investigado por envolvimento no esquema do mafioso.
O secretário da Educação,
Thiago Peixoto, também foi pego pela PF em escutas telefônicas
arranjando um negócio vantajoso para Cachoeira. Thiago pretendia
lançar escolas copiando prédios escolares da China. Mas em vez do
Governo construir, iria alugar do bicheiro, que tinha inclusive o
projeto do empreendimento, interrompido com a prisão dele.
Os grampos telefônicos mostram
pedidos de Cachoeira por "varredura" no Detran de Goiás.
Citado em escutas conversando com o bicheiro, Edivaldo Cardoso pediu
demissão da presidência do Órgão. Sérgio Katayama e Eliane
Pinheiro também caíram com a prisão do bicheiro. Carlinhos
Cachoeira é hoje o criminoso mais temido por muitos políticos de
Goiás.
A investigação da Polícia
Federal e Ministério Público federal não deixa dúvidas sobre a
intensa troca de favores entre os membros do grupo de Cachoeira,
integrantes do governo Marconi e os parlamentares agora sob a mira
do Supremo Tribunal Federal – STF.
“É
assustador o alcance dos tentáculos da organização criminosa
comandada por Cachoeira e a influência dele na nomeação de dezenas
de pessoas para ocupar funções públicas no Estado de Goiás” (
Juiz
Paulo
Augusto Moreira Lima, da 11ª Vara Federal de Goiânia, na sua
sentença que determinou a prisão do bicheiro e seus cúmplices)
Cachoeira e Eliane, então
chefe de gabinete de Marconi Perillo, conversam através de telefone
Nextel. O bicheiro lhe pergunta. “Falou com o maior?” Eliane
responde: “Falei, estou com ele aqui. Tá aqui”
Edivaldo
Cardoso pediu demissão da presidência do Detran. Ele foi indicado
para o cargo pelo grupo de Demóstenes Torres (sem partido). Cardoso
é genro do ex-prefeito da Cidade de Goiás Boadyr Veloso, ex-sócio
de Cachoeira, assassinado em 2008 quando deixava uma casa de jogos
irregular
O secretário das Educação,
Thiago Peixoto, também é citado no inquérito da Operação Monte
Carlo que está desbaratando a quadrilha do bicheiro Carlinhos
Cachoeira em Goiás
Cachoeira é casado com a
ex-mulher do suplente do senador Demóstenes Torres, o empresário
Wilder Pedro de Morais, secretário de Infraestrutura do governo
Marconi Perillo
Dos contratos realizados nos
últimos 13 meses entre a Delta e o Governo de Goiás, 11 deles foram
com a Agetop, sob o comando de Jayme Rincón, apontado pela PF como
um dos envolvidos com Cachoeira e cooptador de dinheiro para a
campanha política de Marconi
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