Cerca de R$ 8 milhões por dia e
mais de R$ 250 milhões por mês é quanto faturam os postos de
combustíveis de Goiânia, se cada um dos 842.597 veículos da
Capital gastar o mínimo de R$ 10,00 de petróleo diariamente.
O lucro extraordinário dos
postos, em detrimento da economia dos usuários, acontece porque os
motoristas estão reféns do cartel de preços de combustíveis que
impera na Capital a mais de seis meses. Os cerca de 280 postos vendem
o álcool por valores idênticos e fazem o mesmo com o preço da
gasolina.
Goiânia possui
842.597 veículos, segundo informações da Coordenadoria do Renaest
– Registro Nacional
de
Acidentes e Estatísticas de Trânsito do Detran, coordenado por
Edson José Gomes. Os motoristas são as galinhas dos ovos de ouro
dos donos de postos, que alinharam o preço do combustível ao seu
bel prazer.
Tone Gonçalves da Silva, diretor
geral do Procon-Goiânia admite a existência do alinhamento de
preços, mas evita pronunciar o termo "formação de cartel".
Ele conta que pediu ajuda ao deputado federal Celso Russomanno
(PP/SP) para investigar o alinhamento de preços dos combustíveis na
Capital de Goiás.
É curioso o fato de o diretor do
Procon-Goiânia ter apelado para um deputado federal por São Paulo,
ao invés de solicitar uma CEI na Câmara Municipal, ou então pedir
ajuda à Assembléia Legislativa do Estado, apesar de o alinhamento
de preços se limitar à Capital. Mas o assunto está inegavelmente,
envolto numa espessa teia de questionamentos intrigantes e sem
respostas.
Justiça não resolve o caso
Pelo Código de Defesa do
Consumidor, o cartel constitui crime contra a economia e as relações
de consumo. Tal prática impõe o monopólio, elimina a concorrência
e deixa o consumidor em total desvantagem diante do poder do
comércio.
A Decon – Delegacia de Defesa do
Consumidor instaurou inquérito policial para investigar se o
alinhamento de preços constitui formação de cartel. O titular da
especializada, delegado Edmundo Dias de Oliveira Filho, não quis
adiantar o que já teria descoberto, para não atrapalhar o trabalho
dos agentes envolvidos na elucidação do caso.
No Ministério Público também
tramita um Inquérito Civil Público para investigar mesmo caso. O
promotor Robertson Alves Mesquita, coordenador do Centro de Apoio
Operacional de Defesa do Consumidor, não quis entregar uma cópia do
processo ao jornal, alegando que ainda não propôs uma Ação Civil
Pública e também não quer atrapalhar as investigações.
O promotor diz serem fortes os
indícios de um cartel, mas alega ainda não ter provas suficientes
para afirmar que o crime ocorre em Goiânia. Enquanto autoridades
empilham documentos enviados pelos postos e pelo Sindiposto, os
motoristas vêm seus bolsos serem saqueados sem ter onde pedir
providências realmente efetivas.
Eis as versões do diretor do Procon municipal e do membro do
Ministério Público. O leitor tire as suas próprias conclusões,
mas o jornal adianta: elas não são nada animadoras para os
condutores de veículos.
As alegações do Procon
Tone Gonçalves, diretor geral do
Procon municipal, é pastor evangélico e candidato derrotado nas
últimas eleições para vereador. Foi ele quem pediu a ajuda do
deputado federal Celso Russomanno (PP/SP) a fim de investigar se
existe ou não em Goiânia um cartel de preços formado pelos postos
de combustíveis. O alinhamento de preços é visível a qualquer
motorista que abastece na Capital.
Tone reassumiu o Procon-Goiânia
no dia seis de novembro passado. Ele havia sido diretor do órgão no
período de julho de 2006 a abril de 2008. Abandonou o cargo para
sair candidato a vereador. Perdeu as eleições e conta que foi
convidado pelo prefeito Íris Rezende a administrar o órgão
novamente.
Eis as alegações de Tone sobre o
cartel de preços, termo que ele abomina, preferindo a denominação
“alinhamento de preços”. Vale ressaltar que os motoristas foram
usurpados do direito de escolher o melhor preço na hora de abastecer
seus veículos nos postos de Goiânia, devido o fim da livre
concorrência na Capital.
Por que esse cartel
de combustível em Goiânia já dura quase quatro meses?
Tone
Gonçalves – Acho
que já tem um pouco mais de tempo que a gente percebe um alinhamento
de preços de combustíveis na Capital...
Um cartel?
Tone –
Eu conheço por alinhamento de preços. Os postos de combustíveis
constantemente nos mandam as suas planilhas de compra de gasolina,
cópias de notas fiscais de quanto estão pagando pela gasolina.
Então, o Procon tem fiscalizado essa compra de combustível e a
revenda não fica muito distante do acordo celebrado no Termo de
Ajustamento de Conduta, entre o Procon estadual e o Ministério
Público, quando eu ainda não era o diretor do Procon municipal.
O que prevê o
Termo?
Tone –
Fixou que o valor da gasolina não ultrapassaria R$ 2,59, que é o
que acontece hoje. A maioria dos postos de Goiânia obedece essa
faixa de preço. Agora, eu sou consumidor e no mês de março eu fiz
uma audiência pública na Capital e trouxe o deputado federal Celso
Russomanno (PP/SP) para ele falar sobre os aliviadores de ar, ou
seja, para saber se a água que nos pagamos, que sai de nossas
torneiras, que passam pelos hidrômetros, se marcam ar ou não.
O que esse fato tem
a ver com o cartel de combustível?
Tone –
É que naquela oportunidade eu fiz um ofício e entreguei ao deputado
federal Celso Russomanno para investigar essa questão do alinhamento
de preços dos combustíveis em Goiânia (?!).
Por que o Procon
municipal depende do deputado federal Celso Russomanno para resolver
um problema que acontece dentro dos limites de Goiânia?
Tone – O
alinhamento de preços existe não só em Goiânia¸ não só em
Goiás, mas em várias outras regiões. O Procon está trabalhando.
Eu tenho em mãos os documentos que o Sindiposto, por força nossa,
envia semanalmente, informando o valor que pagou pela gasolina e por
quanto a está vendendo. O Sindiposto nos notificou que comprou a
gasolina em média por R$ 2,27.
Na sua
investigação, o senhor teve notícias de que o Sindiposto teria
doado R$ 2 milhões para a campanha de um político goiano, em troca
de formar um cartel de preços e não ser incomodado pelas
autoridades?
Tone –
Eu não tenho conhecimento dessa informação, mas eu acho que o TRE
é o melhor local para a gente obter esse tipo de informação. Seria
pegar a prestação de contas de todos os candidatos e verificar se
houve essa doação por parte do Sindiposto.
O alinhamento de
preços, como o senhor prefere denominar, se limita à Goiânia, onde
o litro de álcool custa R$ 1,59 em todos os postos. Em Porangatu, a
400 quilômetros de distância, o mesmo produto custa R$ 1,39 e lá
os postos ainda pagam o transporte do combustível. Como explica
isso?
Tone – Eu
fiz esse mesmo questionamento ao Sindiposto, pois vejo preço mais
barato e variável fora dos limites de Goiânia. A presidência do
Sindicato alegou que alguns donos desses postos estariam sonegando
impostos e por isso podem repassar o produto com valor mais baixo ao
consumidor. Ou seja, na margem de lucro que o empresário consegue
não recolhendo tributos, ele dá desconto como se fosse dele e não
fruto de sonegação.
O que o
Procon-Goiânia está efetivamente fazendo para desalinhar os preços,
restabelecer a concorrência e defender o consumidor?
Tone –
Eu oficiei todas as distribuidoras, como a Petrobrás, Shell, Texaco,
e elas entregaram cópias das notas fiscais dos produtos que vendem.
Todas batem com as que os postos nos fornecem...
Não poderiam ser
notas fiscais falsas?
Tone –
Não,
não são. As distribuidoras demoraram mais a enviar as notas, mas
não haviam notas esquentadas, notas frias, pelo menos nas que nós
verificamos.
O Procon-Goiânia
fez uma perícia para chegar a essa conclusão?
Tone –
Exatamente,
e não encontramos problemas. Mas eu não desisti e por isso
solicitei a ajuda do deputado Celso Russomanno, responsável pela
Comissão de Defesa do Consumidor. Eu estive com o parlamentar
recentemente e ele me disse que em breve teremos boas notícias a
respeito do alinhamento de preço dos combustíveis em Goiânia.
Celso Russomanno
especificou um prazo para dar alguma boa notícia aos motoristas
goianienses, à mercê do cartel de preços de combustível?
Tone – O
deputado não especificou data, mas o diretor jurídico do
Procon-Goiânia foi à Brasília, (estou lhe dando um furo de
reportagem), cobrar dele as soluções para o alinhamento dos preços
na Capital.
O Procon-Goiânia
pode acabar com o cartel de preços em Goiânia, diretor?
Tone – O
Procon não pode alimentar esperanças positivas, nem falsas
esperanças. Onde houver desrespeito ao consumidor, independente de
quem seja, o Procon estará presente para defender o consumidor.
Veja, tenho “enes” processos na minha mesa punindo empresas,
inclusive bancos, por desrespeito ao usuário.
O cartel é proibido por lei.
Agora, alinhar o preço, se os postos compram de um mesmo local, a
Petrobrás, pelo mesmo preço e têm a mesma margem de lucro, já é
um tanto quanto complicado e por isso até agora ninguém pode fazer
absolutamente nada, pois isso não é ilegal. Ilegal é aquilo que
você disse no começo, o cartel. Ele é crime e ocorre quando dois,
três, ou mais donos de postos combinam entre si venderem o
combustível pelo mesmo preço. A gente percebe o alinhamento de
preço em Goiânia, mas não a formação de cartel.
MP reprova trabalho do Procon
O promotor de Justiça Robertson
Alves Mesquita, do CAO do Consumidor, estranha o fato de o Procon
municipal pedir ajuda ao deputado federal Celso Russomanno para
investigar a existência ou não de cartel em Goiânia. Ele disse que
o diretor Tone Gonçalves deve ter se confundido, pois o parlamentar
paulista estaria envolvido na questão de ar na água distribuída
pela Saneago.
Quando o promotor soube que Tone
Gonçalves teria enviado a Brasília um funcionário do Procon para
tratar do cartel com Celso Russomanno, se espantou: “Mas como?!”
E acrescentou: “Instrumento para investigar e apurar formação de
cartel todos os procons têm, seja estadual ou municipal, talvez
competência é o que lhe falta. Ficar pedindo político? Não é
assim que se trabalha não”.
Para tentar resolver o problema,
ele requisitou instauração de inquérito policial na Decon,
abertura de procedimento administrativo no Cade – Conselho
Administrativo de Desenvolvimento Econômico, ligado ao Ministério
da Justiça, e instaurou inquérito civil público na Promotoria de
Defesa do Consumidor.
Os principais trechos da
entrevista com o promotor Robertson Alves Mesquita. Ele reprovou
veemente a atuação do diretor do Procon municipal, ao saber que
Tone Gonçalves apelou para um deputado federal a fim de resolver um
caso que se restringe à Capital.
O diretor do Procon
descarta a possibilidade de serem falsas as notas apresentadas pelos
postos e pelo Sindiposto, alegando que elas foram periciadas.
Robertson
Mesquita –
Não foi feita perícia nenhuma, não...
Existe ou não um
cartel de preço de combustível nos postos de Goiânia?
Robertson –
O
cartel é crime previsto na lei número 8.137, e acontece quando
pessoas combinam os preços, eliminando a concorrência. O preço do
combustível não é tabelado e a margem de lucro, não sendo
abusiva, é estabelecida como o dono de posto quiser. Os postos hoje
trabalham com uma margem de lucro de 13 a 15%, conforme as notas
apresentadas pelo Sindiposto e os levantamentos que fazemos na base.
Em Goiânia 280
postos vendem combustível pelo mesmo preço. Isso não é cartel?
Robertson –
O
alinhamento de preços tira do consumidor a liberdade de escolher o
preço mais barato. Na base o preço é igual, a gasolina sai de lá
a R$ 2, 27, o álcool a R$ 1,26. Agora, esse preço ser igual no
varejo é um forte indício de que pode haver uma formação de
cartel.
O que o Ministério
Público está fazendo para elucidar o caso?
Robertson –
Eu
não tenho a prova de que o Sindiposto estimula a venda uniforme de
preço, o chamado tabelamento branco, e por isso, não posso afirmar
que existe um cartel. Eu requisitei instauração de inquérito
policial na Decon e abertura de processo administrativo no Cade,
órgão do Ministério da Justiça, para apurar a formação de
cartel.
Saindo de Goiânia,
o preço é variável. Em Rio Verde, a 300 quilômetros da Capital, o
preço é mais barato, e eles ainda pagam o transporte, pois a base é
aqui em Senador Canedo. Como o senhor analisa esse fato?
Robertson –
Pode
ser combinação de preço, mas pode não ser também. Como eu disse
antes, nós não lidamos com a margem de lucro. Se alguém do
interior vende R$ 0,10, R$ 0,15 abaixo do preço normal da Capital,
ele está reduzindo a sua margem de lucro.
O senhor instaurou
Inquérito Civil Público para também investigar se existe formação
de cartel. O que já descobriu?
Robertson –
O
que nós temos de concreto é que 70% dos postos da praça de Goiânia
vendem preços iguais. Nós ouvimos todos eles, não há alinhamento,
é natural, porque ninguém quer perder nas vendas. Houve até agosto
deste ano, segundo a alegação dos donos dos postos, uma guerra de
preço descendente, ou seja, um baixava um centavo, o outro diminuía
dois, até chegar próximo ao preço de custo. Vender a preço de
custo pode, mas seria filantropia e os postos comerciais não adotam
tal prática.
O que deveria haver é uma vontade
de concorrer, mas como todos os preços estão alinhados e essa
vontade de concorrer não aparece, entra a indicativa da existência
de um cartel, de um tabelamento branco que é a combinação de
preços. Segundo o Sindiposto, quem vende por preço mais barato
certamente está sonegando impostos.
Acha isso também?
Robertson –
Não, eu vejo é que existe a margem de lucro e quem a estabelece não
sou eu, mas sim quem exerce a atividade econômica. Se o empresário
quer ganhar 20% de lucro, em razão de sua ganância, ele vai
estipular esse percentual em cima do valor do preço de custo. Se
quiser ganhar 5%, tudo bem, se ficar satisfeito com 1% pode também.
A dificuldade de provar o cartel é pegar o pessoal combinando os
preços. Eu preciso dessa prova, só o alinhamento de preços não é
suficiente.
O senhor tem
notícias de donos de postos serem ameaçados porque vendem mais
barato?
Robertson –
É
difícil conseguir esse tipo de declaração, apesar de alguns donos
de postos afirmarem que estão sendo incomodados porque vendem mais
baixo. O dono da rede Tabocão revelou a uma jornalista que estaria
sendo ameaçado por vender mais barato. Quando eu liguei para
confirmar as ameaças, ele não quis sustentar a denúncia.
Eu soube até que certa vez chegou
um pessoal de moto no posto dele e avisou que se continuasse a vender
mais barato, o posto seria explodido e ele iria morrer. Se o dono da
rede Tabocão sustentasse a versão, nós teríamos a prova de que
precisamos. Mas ele não quis, mesmo eu tendo lhe oferecido segurança
policial.
Tabocão cedeu ao esquema
Mesmo comprando o combustível em
Senador Canedo, a mais de 40 quilômetros de distância, a rede
Tabocão, formada por mais de 10 postos, vendia a R$ 1,39 o litro de
álcool. Na saída para Aparecida, os carros faziam até fila para
abastecer, atraídos pelo preço mais em conta. O posto vendia tanto
que precisou duplicar as bombas.
Porém, após
acordo com o Sindiposto, o Tabocão aumentou o álcool para R$ 1,58 –
em Porangatu o produto é vendido por R$ 1,39. Segundo denúncia do
proprietário a uma jornalista, ele teria sido ameaçado de morte. O
empresário, conforme assegura o promotor Robertson Mesquita, teve
receio de oficializar as ameaças. Poderes
não o encontrou para ouvir a sua versão.
Fato é que, enquanto Procon,
Decon e Ministério Público tentam provar a existência do cartel,
os consumidores goianienses continuam pagando um preço alto pelo
combustível. Pior: não existe sequer uma previsão de quando o caso
será resolvido na Capital. Continua prevalecendo o poderio econômico
dos donos de postos e do Sindiposto, que agem ao arrepio da lei.
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