15 de março de 2013

Cartel de combustível domina em Goiânia



Cerca de R$ 8 milhões por dia e mais de R$ 250 milhões por mês é quanto faturam os postos de combustíveis de Goiânia, se cada um dos 842.597 veículos da Capital gastar o mínimo de R$ 10,00 de petróleo diariamente.
O lucro extraordinário dos postos, em detrimento da economia dos usuários, acontece porque os motoristas estão reféns do cartel de preços de combustíveis que impera na Capital a mais de seis meses. Os cerca de 280 postos vendem o álcool por valores idênticos e fazem o mesmo com o preço da gasolina.
Goiânia possui 842.597 veículos, segundo informações da Coordenadoria do Renaest – Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas de Trânsito do Detran, coordenado por Edson José Gomes. Os motoristas são as galinhas dos ovos de ouro dos donos de postos, que alinharam o preço do combustível ao seu bel prazer.
Tone Gonçalves da Silva, diretor geral do Procon-Goiânia admite a existência do alinhamento de preços, mas evita pronunciar o termo "formação de cartel". Ele conta que pediu ajuda ao deputado federal Celso Russomanno (PP/SP) para investigar o alinhamento de preços dos combustíveis na Capital de Goiás.
É curioso o fato de o diretor do Procon-Goiânia ter apelado para um deputado federal por São Paulo, ao invés de solicitar uma CEI na Câmara Municipal, ou então pedir ajuda à Assembléia Legislativa do Estado, apesar de o alinhamento de preços se limitar à Capital. Mas o assunto está inegavelmente, envolto numa espessa teia de questionamentos intrigantes e sem respostas.

Justiça não resolve o caso
Pelo Código de Defesa do Consumidor, o cartel constitui crime contra a economia e as relações de consumo. Tal prática impõe o monopólio, elimina a concorrência e deixa o consumidor em total desvantagem diante do poder do comércio.
A Decon – Delegacia de Defesa do Consumidor instaurou inquérito policial para investigar se o alinhamento de preços constitui formação de cartel. O titular da especializada, delegado Edmundo Dias de Oliveira Filho, não quis adiantar o que já teria descoberto, para não atrapalhar o trabalho dos agentes envolvidos na elucidação do caso.
No Ministério Público também tramita um Inquérito Civil Público para investigar mesmo caso. O promotor Robertson Alves Mesquita, coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Consumidor, não quis entregar uma cópia do processo ao jornal, alegando que ainda não propôs uma Ação Civil Pública e também não quer atrapalhar as investigações.
O promotor diz serem fortes os indícios de um cartel, mas alega ainda não ter provas suficientes para afirmar que o crime ocorre em Goiânia. Enquanto autoridades empilham documentos enviados pelos postos e pelo Sindiposto, os motoristas vêm seus bolsos serem saqueados sem ter onde pedir providências realmente efetivas.
Eis as versões do diretor do Procon municipal e do membro do Ministério Público. O leitor tire as suas próprias conclusões, mas o jornal adianta: elas não são nada animadoras para os condutores de veículos.

As alegações do Procon
Tone Gonçalves, diretor geral do Procon municipal, é pastor evangélico e candidato derrotado nas últimas eleições para vereador. Foi ele quem pediu a ajuda do deputado federal Celso Russomanno (PP/SP) a fim de investigar se existe ou não em Goiânia um cartel de preços formado pelos postos de combustíveis. O alinhamento de preços é visível a qualquer motorista que abastece na Capital.
Tone reassumiu o Procon-Goiânia no dia seis de novembro passado. Ele havia sido diretor do órgão no período de julho de 2006 a abril de 2008. Abandonou o cargo para sair candidato a vereador. Perdeu as eleições e conta que foi convidado pelo prefeito Íris Rezende a administrar o órgão novamente.
Eis as alegações de Tone sobre o cartel de preços, termo que ele abomina, preferindo a denominação “alinhamento de preços”. Vale ressaltar que os motoristas foram usurpados do direito de escolher o melhor preço na hora de abastecer seus veículos nos postos de Goiânia, devido o fim da livre concorrência na Capital.
Por que esse cartel de combustível em Goiânia já dura quase quatro meses?
Tone Gonçalves – Acho que já tem um pouco mais de tempo que a gente percebe um alinhamento de preços de combustíveis na Capital...

Um cartel?
Tone – Eu conheço por alinhamento de preços. Os postos de combustíveis constantemente nos mandam as suas planilhas de compra de gasolina, cópias de notas fiscais de quanto estão pagando pela gasolina. Então, o Procon tem fiscalizado essa compra de combustível e a revenda não fica muito distante do acordo celebrado no Termo de Ajustamento de Conduta, entre o Procon estadual e o Ministério Público, quando eu ainda não era o diretor do Procon municipal.

O que prevê o Termo?
Tone – Fixou que o valor da gasolina não ultrapassaria R$ 2,59, que é o que acontece hoje. A maioria dos postos de Goiânia obedece essa faixa de preço. Agora, eu sou consumidor e no mês de março eu fiz uma audiência pública na Capital e trouxe o deputado federal Celso Russomanno (PP/SP) para ele falar sobre os aliviadores de ar, ou seja, para saber se a água que nos pagamos, que sai de nossas torneiras, que passam pelos hidrômetros, se marcam ar ou não.

O que esse fato tem a ver com o cartel de combustível?
Tone – É que naquela oportunidade eu fiz um ofício e entreguei ao deputado federal Celso Russomanno para investigar essa questão do alinhamento de preços dos combustíveis em Goiânia (?!).

Por que o Procon municipal depende do deputado federal Celso Russomanno para resolver um problema que acontece dentro dos limites de Goiânia?
Tone – O alinhamento de preços existe não só em Goiânia¸ não só em Goiás, mas em várias outras regiões. O Procon está trabalhando. Eu tenho em mãos os documentos que o Sindiposto, por força nossa, envia semanalmente, informando o valor que pagou pela gasolina e por quanto a está vendendo. O Sindiposto nos notificou que comprou a gasolina em média por R$ 2,27.

Na sua investigação, o senhor teve notícias de que o Sindiposto teria doado R$ 2 milhões para a campanha de um político goiano, em troca de formar um cartel de preços e não ser incomodado pelas autoridades?
Tone – Eu não tenho conhecimento dessa informação, mas eu acho que o TRE é o melhor local para a gente obter esse tipo de informação. Seria pegar a prestação de contas de todos os candidatos e verificar se houve essa doação por parte do Sindiposto.

O alinhamento de preços, como o senhor prefere denominar, se limita à Goiânia, onde o litro de álcool custa R$ 1,59 em todos os postos. Em Porangatu, a 400 quilômetros de distância, o mesmo produto custa R$ 1,39 e lá os postos ainda pagam o transporte do combustível. Como explica isso?
Tone – Eu fiz esse mesmo questionamento ao Sindiposto, pois vejo preço mais barato e variável fora dos limites de Goiânia. A presidência do Sindicato alegou que alguns donos desses postos estariam sonegando impostos e por isso podem repassar o produto com valor mais baixo ao consumidor. Ou seja, na margem de lucro que o empresário consegue não recolhendo tributos, ele dá desconto como se fosse dele e não fruto de sonegação.

O que o Procon-Goiânia está efetivamente fazendo para desalinhar os preços, restabelecer a concorrência e defender o consumidor?
Tone – Eu oficiei todas as distribuidoras, como a Petrobrás, Shell, Texaco, e elas entregaram cópias das notas fiscais dos produtos que vendem. Todas batem com as que os postos nos fornecem...

Não poderiam ser notas fiscais falsas?
Tone – Não, não são. As distribuidoras demoraram mais a enviar as notas, mas não haviam notas esquentadas, notas frias, pelo menos nas que nós verificamos.

O Procon-Goiânia fez uma perícia para chegar a essa conclusão?
Tone – Exatamente, e não encontramos problemas. Mas eu não desisti e por isso solicitei a ajuda do deputado Celso Russomanno, responsável pela Comissão de Defesa do Consumidor. Eu estive com o parlamentar recentemente e ele me disse que em breve teremos boas notícias a respeito do alinhamento de preço dos combustíveis em Goiânia.

Celso Russomanno especificou um prazo para dar alguma boa notícia aos motoristas goianienses, à mercê do cartel de preços de combustível?
Tone – O deputado não especificou data, mas o diretor jurídico do Procon-Goiânia foi à Brasília, (estou lhe dando um furo de reportagem), cobrar dele as soluções para o alinhamento dos preços na Capital.

O Procon-Goiânia pode acabar com o cartel de preços em Goiânia, diretor?
Tone – O Procon não pode alimentar esperanças positivas, nem falsas esperanças. Onde houver desrespeito ao consumidor, independente de quem seja, o Procon estará presente para defender o consumidor. Veja, tenho “enes” processos na minha mesa punindo empresas, inclusive bancos, por desrespeito ao usuário.
O cartel é proibido por lei. Agora, alinhar o preço, se os postos compram de um mesmo local, a Petrobrás, pelo mesmo preço e têm a mesma margem de lucro, já é um tanto quanto complicado e por isso até agora ninguém pode fazer absolutamente nada, pois isso não é ilegal. Ilegal é aquilo que você disse no começo, o cartel. Ele é crime e ocorre quando dois, três, ou mais donos de postos combinam entre si venderem o combustível pelo mesmo preço. A gente percebe o alinhamento de preço em Goiânia, mas não a formação de cartel.

MP reprova trabalho do Procon
O promotor de Justiça Robertson Alves Mesquita, do CAO do Consumidor, estranha o fato de o Procon municipal pedir ajuda ao deputado federal Celso Russomanno para investigar a existência ou não de cartel em Goiânia. Ele disse que o diretor Tone Gonçalves deve ter se confundido, pois o parlamentar paulista estaria envolvido na questão de ar na água distribuída pela Saneago.
Quando o promotor soube que Tone Gonçalves teria enviado a Brasília um funcionário do Procon para tratar do cartel com Celso Russomanno, se espantou: “Mas como?!” E acrescentou: “Instrumento para investigar e apurar formação de cartel todos os procons têm, seja estadual ou municipal, talvez competência é o que lhe falta. Ficar pedindo político? Não é assim que se trabalha não”.
Para tentar resolver o problema, ele requisitou instauração de inquérito policial na Decon, abertura de procedimento administrativo no Cade – Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico, ligado ao Ministério da Justiça, e instaurou inquérito civil público na Promotoria de Defesa do Consumidor.
Os principais trechos da entrevista com o promotor Robertson Alves Mesquita. Ele reprovou veemente a atuação do diretor do Procon municipal, ao saber que Tone Gonçalves apelou para um deputado federal a fim de resolver um caso que se restringe à Capital.

O diretor do Procon descarta a possibilidade de serem falsas as notas apresentadas pelos postos e pelo Sindiposto, alegando que elas foram periciadas.
Robertson Mesquita – Não foi feita perícia nenhuma, não...

Existe ou não um cartel de preço de combustível nos postos de Goiânia?
Robertson – O cartel é crime previsto na lei número 8.137, e acontece quando pessoas combinam os preços, eliminando a concorrência. O preço do combustível não é tabelado e a margem de lucro, não sendo abusiva, é estabelecida como o dono de posto quiser. Os postos hoje trabalham com uma margem de lucro de 13 a 15%, conforme as notas apresentadas pelo Sindiposto e os levantamentos que fazemos na base.

Em Goiânia 280 postos vendem combustível pelo mesmo preço. Isso não é cartel?
Robertson – O alinhamento de preços tira do consumidor a liberdade de escolher o preço mais barato. Na base o preço é igual, a gasolina sai de lá a R$ 2, 27, o álcool a R$ 1,26. Agora, esse preço ser igual no varejo é um forte indício de que pode haver uma formação de cartel.

O que o Ministério Público está fazendo para elucidar o caso?
Robertson – Eu não tenho a prova de que o Sindiposto estimula a venda uniforme de preço, o chamado tabelamento branco, e por isso, não posso afirmar que existe um cartel. Eu requisitei instauração de inquérito policial na Decon e abertura de processo administrativo no Cade, órgão do Ministério da Justiça, para apurar a formação de cartel.

Saindo de Goiânia, o preço é variável. Em Rio Verde, a 300 quilômetros da Capital, o preço é mais barato, e eles ainda pagam o transporte, pois a base é aqui em Senador Canedo. Como o senhor analisa esse fato?
Robertson – Pode ser combinação de preço, mas pode não ser também. Como eu disse antes, nós não lidamos com a margem de lucro. Se alguém do interior vende R$ 0,10, R$ 0,15 abaixo do preço normal da Capital, ele está reduzindo a sua margem de lucro.

O senhor instaurou Inquérito Civil Público para também investigar se existe formação de cartel. O que já descobriu?
Robertson – O que nós temos de concreto é que 70% dos postos da praça de Goiânia vendem preços iguais. Nós ouvimos todos eles, não há alinhamento, é natural, porque ninguém quer perder nas vendas. Houve até agosto deste ano, segundo a alegação dos donos dos postos, uma guerra de preço descendente, ou seja, um baixava um centavo, o outro diminuía dois, até chegar próximo ao preço de custo. Vender a preço de custo pode, mas seria filantropia e os postos comerciais não adotam tal prática.
O que deveria haver é uma vontade de concorrer, mas como todos os preços estão alinhados e essa vontade de concorrer não aparece, entra a indicativa da existência de um cartel, de um tabelamento branco que é a combinação de preços. Segundo o Sindiposto, quem vende por preço mais barato certamente está sonegando impostos.

Acha isso também?
Robertson – Não, eu vejo é que existe a margem de lucro e quem a estabelece não sou eu, mas sim quem exerce a atividade econômica. Se o empresário quer ganhar 20% de lucro, em razão de sua ganância, ele vai estipular esse percentual em cima do valor do preço de custo. Se quiser ganhar 5%, tudo bem, se ficar satisfeito com 1% pode também. A dificuldade de provar o cartel é pegar o pessoal combinando os preços. Eu preciso dessa prova, só o alinhamento de preços não é suficiente.

O senhor tem notícias de donos de postos serem ameaçados porque vendem mais barato?
Robertson – É difícil conseguir esse tipo de declaração, apesar de alguns donos de postos afirmarem que estão sendo incomodados porque vendem mais baixo. O dono da rede Tabocão revelou a uma jornalista que estaria sendo ameaçado por vender mais barato. Quando eu liguei para confirmar as ameaças, ele não quis sustentar a denúncia.
Eu soube até que certa vez chegou um pessoal de moto no posto dele e avisou que se continuasse a vender mais barato, o posto seria explodido e ele iria morrer. Se o dono da rede Tabocão sustentasse a versão, nós teríamos a prova de que precisamos. Mas ele não quis, mesmo eu tendo lhe oferecido segurança policial.

Tabocão cedeu ao esquema
Mesmo comprando o combustível em Senador Canedo, a mais de 40 quilômetros de distância, a rede Tabocão, formada por mais de 10 postos, vendia a R$ 1,39 o litro de álcool. Na saída para Aparecida, os carros faziam até fila para abastecer, atraídos pelo preço mais em conta. O posto vendia tanto que precisou duplicar as bombas.
Porém, após acordo com o Sindiposto, o Tabocão aumentou o álcool para R$ 1,58 – em Porangatu o produto é vendido por R$ 1,39. Segundo denúncia do proprietário a uma jornalista, ele teria sido ameaçado de morte. O empresário, conforme assegura o promotor Robertson Mesquita, teve receio de oficializar as ameaças. Poderes não o encontrou para ouvir a sua versão.
Fato é que, enquanto Procon, Decon e Ministério Público tentam provar a existência do cartel, os consumidores goianienses continuam pagando um preço alto pelo combustível. Pior: não existe sequer uma previsão de quando o caso será resolvido na Capital. Continua prevalecendo o poderio econômico dos donos de postos e do Sindiposto, que agem ao arrepio da lei.

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