Não por acaso os goianos
foram as ruas pedir o impeachment do governador Marconi
Perillo (PSDB), sob gritos de “Fora Marconi, Goiás não tem dono”. O tucano é
Acusado pela Polícia Federal de ter entregado o
comando da Segurança Pública nas mãos do chefe da máfia dos caças níqueis e do
jogo do bicho, Carlos Augusto
de Almeida Ramos, o Carlinhos
Cachoeira.
No “Tempo Novo” do tucano Perillo, era
Cachoeira quem dava as cartas em Goiás. A
PF descobriu que o bicheiro nomeava e pagava mesada para delegados de polícia em
troca de desenvolver livremente as suas atividades criminosas no Estado. Colocava
parentes para ocupar cargos de primeiro escalão no Governo, a exemplo da Secretaria de Indústria e Comércio, e indicou
até nome para a pró-reitoria da Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Segundo o juiz Paulo Augusto Moreira
Lima, da 11ª Vara Federal de Goiânia, que determinou a prisão do bicheiro, era
assustador o alcance dos tentáculos da organização criminosa comandada por
Cachoeira e a influência dele na nomeação de dezenas de pessoas para ocupar
funções públicas no Estado.
Chefe da jogatina e comandante de um
esquema criminoso que tinha Goiás como seu quartel general e se ramificava por
outros estados, a exemplo do Tocantins, Cachoeira agia livremente em terras
goianas, pela amizade que mantinha com o governador Perillo.
O ex-senador Demóstenes Torres era,
declaradamente, amigão do peito do bicheiro preso pela Polícia Federal, de quem
recebeu presentes caríssimos e importados. Demóstenes ocupou a Secretaria de
Segurança Pública. Curiosamente, a área mais dominada por Cachoeira no governo
de Goiás.
O Ministério Público Federal não
calculou ainda o rombo financeiro que a atuação de Cachoeira provocou nos
cofres do Estado. Mas já era esperado que a Operação Monte Carlo resultasse em
muitos sepultamentos políticos.
Os afilhados de Don Corleone
Carlinhos Cachoeira comandava cassinos
ilegais em Goiás e no entorno de Brasília, cada um com faturamento mensal em
torno de R$ 3 milhões. Ele foi pego na Operação Monte Carlo, deflagrada pela
Polícia Federal, em conjunto com o Ministério Público Federal e o Escritório de
Inteligência da Receita Federal.
Até ser preso Cachoeira reinou impune
16 anos no Estado, onde posava de Don Corleone, o personagem fictício criado
pelo escritor Mario Puzo e baseado na vida real de alguns integrantes da máfia
siciliana.
Don Corleone é conhecido também como “o
padrinho”, e Cachoeira apadrinhava muita gente do mundo político e empresarial
de Goiás. Além de Perillo e Demóstenes, aparecem na lista de políticos
amigos do bicheiro os deputados federais Carlos Alberto Leréia (PSDB), Jovair
Arantes (PTB) e o ex-vereador Wladmir Garcês, preso junto com o padrinho
mafioso.
As escutas telefônicas obtidas pela
Polícia Federal deixam claro o poder do bicheiro sobre policiais militares,
civis e federais de Goiás e a Justiça conclui que Cachoeira pode ser
considerado o maior corruptor de agentes públicos encarregados da área de
segurança no Estado.
Entenda a máfia goiana
Bem ao estilo do poderoso chefão da
máfia siciliana, Carlinhos Cachoeira mandava e ingeria sistematicamente no
governo tucano. A organização criminosa comandada por ele contava com
sofisticado esquema de espionagem política e empresarial, obtidas por meio de
interceptações telefônicas ilegais.
Segundo o procurador da República em
Goiás, Daniel Resende Salgado, a quadrilha do bicheiro envolvia até
contatos com jornalistas encarregados de divulgar conteúdos capazes de
favorecer os interesses dos criminosos.
Policiais e militares goianos recebiam
propinas regulares - semanais e mensais - para dar proteção aos exploradores da
jogatina, vazar informações sobre ações repressivas e despistar as
fiscalizações.
O valor da propina variava conforme a
patente do militar ou a função do policial. As maiores fatias iam para os
delegados, que recebiam até R$ 4 mil mensais. Um soldado ganhava entre R$ 180 e
R$ 200 por dia de serviço para a organização. Já um sargento recebia diárias de
R$ 300.
Entre os 35 mandados de prisão
cumpridos em Goiás pela Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, foram
presos servidores públicos, dois delegados da PF, seis da Polícia Civil do
Estado, três tenentes, um capitão, dois sargentos, quatro cabos, um major e 18
agentes da Polícia Militar, além de um policial rodoviário federal, um auxiliar
administrativo da PF de Brasília e um servidor da prefeitura de Valparaíso,
cedido para a Justiça do Estado.
O delegado da Polícia
Federal, Matheus Rodrigues, que coordenou a operação para prender o bicheiro e
seus comparsas informa que os principais crimes atribuídos ao grupo são
corrupção ativa e passiva, contrabando, lavagem de dinheiro, evasão de divisas,
peculato, violação de sigilo e formação de quadrilha. O delito mais brando é o
de exploração de jogo de azar.
O bicheiro foi pivô do primeiro
escândalo do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), causado
com a divulgação de um vídeo em que o então subchefe de Assuntos Parlamentares
da Casa Civil, Waldomiro Diniz, negociava propina com o bicheiro em troca de
apoio a aprovação de projetos de legalização de jogos de azar.
Waldomiro Diniz era presidente da
Loterj – loteria do Rio de janeiro – e homem de confiança do ministro José
Dirceu, cassado por envolvimento no escândalo do Mensalão. Diniz foi condenado
a 12 anos de prisão por crime de corrupção passiva e ativa e pagamento de multa
de R$ 170 mil. A sentença da juíza Maria Tereza Donatti, da 29ª Vara Criminal
do Rio de Janeiro, saiu no mesmo dia que Cachoeira era preso em Goiânia.
Policiais fingiam trabalhar
Nos 16 anos que desenvolveu suas
atividades ilegais em Goiás, Carlinhos Cachoeira jamais sofreu uma ação
policial mais incisiva, porque policiais eram pagos por ele para que todas as
tentativas de repressão resultassem em nada. Eles eram responsáveis por
informar a organização criminosa sobre qualquer ação que seria feita contra o
grupo.
Em alguns momentos,
esses policiais até faziam pseudo-operações para tentar passar a população a
sensação de que estavam combatendo o crime. Em 2006, uma tentativa de
investigação terminou frustrada porque servidores mandados por Cachoeira
fizeram uma operação tartaruga que impediu o êxito da operação.
Na organização do grupo, Cachoeira era quem
concedia uma licença de exploração dos pontos a donos de galpões clandestinos
em cidades de Goiás. Os policiais civis e militares a serviço da quadrilha criminosa
fechavam os locais que não tinham o aval do chefe da organização.
O governador Marconi não deu nenhuma
justificativa a sociedade sobre as denúncias feitas pela PF e Ministério
Público Federal, dando conta de que ele entregou o comando da Segurança Pública
para Carlinhos Cachoeira, chefe do crime organizado.
Yes, nós temos políticos honestos
Uma fonte da PF diz que as
investigações continuam e que tentam descobrir que esquema Cachoeira utilizava
para intermediar contratos de empresas junto ao Governo Marconi, como aconteceu
no caso da Delta Engenharia. A Polícia
desconfia que Cachoeira é sócio informal dela no Estado.
A empreiteira, do carioca Fernando
Cavendish, se instalou em Goiás em 2006. Naquele ano, faturou R$ 5,5 milhões do
Estado. Hoje, os contratos da Delta já somam R$ 276 milhões e, além do Estado,
abrangem diversas prefeituras, inclusive a de Goiânia. Cachoeira e Garcês,
segundo a Polícia, mantinham salas dentro da empresa. A torre de babel começa a
ruir para Marconi Perillo, que até agora permanecia ileso.
A prisão de Cachoeira desencadeou uma
onda de sinceridade, e até de ingenuidade, nunca vista antes na historia dos
políticos goianos. Geralmente envolvidos em escândalos de corrupção, e
acostumados a engabelar o eleitor, de repente, todos os políticos afilhados do padrinho
Don Corleone, resolveram falar com a imprensa. E mais: nem pestanejaram ou
ficaram vermelhos para admitir que eram amigos íntimos do chefe de uma
organização criminosa.
Talvez porque a PF e o MPF não deixaram
dúvidas quanto as ligações suspeitas e perigosas, todos os políticos, como se
tivessem feito um pacto, apresentaram justificativas quase idênticas, com
exceção de Wladmir Garcês, que foi preso sem dizer uma palavra. Garcês lançou
mão do seu último direito, o de permanecer calado.
Como se fosse correto, moral e ético um
chefe de Estado negociar com um chefão do crime, o governador Marconi Perillo
tentou se livrar da saia justa que foi o bandido ter sido preso na casa que até
2010 era dele, explicando que vendeu a casa para o bicheiro, mas quem intermediou
o negócio foi Wladmir Garcês.
A onda repentina de sinceridade fez
Marconi, sem querer, reforçar o elo de ligação que PF já sabia: Garcês é sócio
e amigo do bicheiro, correligionário e amigo de Marconi, e fazia o papel de
interlocutor entre o Governo e Cachoeira. Segundo a versão de Marconi, ele fez
negócio com dois bandidos que foram presos pela Polícia Federal na Operação
Monte Carlo.
De todas as justificativas, a mais
engraçada, e ingênua, foi dada por Demóstenes Torres, que a época ocupava a presidência
da Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Questionado pela imprensa,
Demóstenes saiu-se com essa: “Eu pensei que ele (Cachoeira), tivesse abandonado
o crime.” (sic).
Cachoeira só não se regenerou porque
encontrou em Goiás o aparato necessário para continuar no crime e também porque
o ex-senador, quando foi secretário de Segurança Pública, não conseguiu implantar
o seu projeto de ressocialização de marginais. Uma pena.
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